Ser bilíngue faz bem ao cérebro e previne demências, diz pesquisadora

*Ellen Bialystok, cientista do Canadá, estuda os efeitos do bilinguismo.



A psicóloga Ellen Bialystok, professora da Universidade de York, no Canadá, descobriu, em uma série de pesquisas, que as pessoas bilíngues têm vantagens cognitivas em comparação aos monolíngues. De acordo com a pesquisadora, quem fala duas línguas em seu cotidiano tem mais facilidade de focar sua atenção naquilo que é relevante, ignorando as distrações.


O que é diferente no cérebro de um bilíngue?

A razão pela qual os cérebros bilíngues são diferentes é que, para um bilíngue, as duas línguas estão sempre ativas. Não há revezamento entre as línguas. Então se você está falando em inglês comigo agora, o português continua totalmente ativo e disponível.

Potencialmente, esse é um problema. Se você tem duas possibilidades ativas sobre como dizer as coisas e como entender as coisas, esperaríamos muita confusão e muitas intrusões em que você escolheria a palavra da língua errada.


Mas isso não acontece na prática. Por que?

O que a maioria dos pesquisadores acredita ser a explicação é que há um sistema no cérebro cujo trabalho é controlar e gerenciar a atenção quando há competição, quando duas coisas estão ativas e você tem que escolher uma e ignorar a outra. Este é o chamado sistema de controle executivo, e ele fica na parte da frente do cérebro.

É um sistema muito importante: é o último sistema a se desenvolver na infância e o primeiro a declinar com o envelhecimento. É a base da atenção e da realização de tarefas simultâneas.A ideia é que bilíngues, que sempre têm as duas línguas ativas, conseguem gerenciar essa competição e evitar potenciais intrusões e confusões ao usar o sistema de controle executivo.

O que você tem é uma situação em que os bilíngues estão usando esse sistema o tempo inteiro, muito mais do que os monolíngues. Então esse sistema muda, torna-se mais eficiente e torna-se mais forte.
Quem pode ser considerado bilíngue?

O bilinguismo não é uma distinção categórica. A questão nas pesquisas não é encontrar diferenças entre bilíngues absolutamente e totalmente proficientes e aqueles completamente monolíngues.
Em vez disso, ver que tipo de experiência bilíngue é associada com a emergência de diferentes tipos de mudanças. Em alguns casos, um pouco de experiência bilíngue é suficiente. Em outros, muito mais é necessário. Mas em geral, a regra é fácil: quanto mais, melhor.

A origem das diferenças dos bilíngues é a experiência de recrutar o sistema de controle executivo para o processamento de língua comum. Quanto mais tempo de experiência você tiver, mais eficiente vai ser.

Então as conclusões se aplicam a pessoas que simplesmente aprendem uma segunda língua?
Não muito. Para muitas coisas, você precisa de uma experiência bilíngue muito maior para que essa diferença possa ficar clara.

Temos um estudo em que dividimos adultos entre aqueles realmente bilíngues, aqueles intermediários, até os monolíngues. Demos a eles algumas tarefas sutis. Quando comparamos os realmente bilíngues com os realmente monolíngues, vemos esse efeitos. Bilíngues fazem as tarefas melhor e seus cérebros são mais eficientes. Mas se você olhar nos intermediários, eles não são muito melhores do que os monolíngues.

Nos estudos com crianças, como as crianças estão desenvolvendo essas habilidades, é mais fácil distinguir padrões mais sutis. Então, para crianças, mesmo pequenos aumentos da experiência bilíngue estão associados com uma melhor performance.

Por que decidiu estudar os efeitos do bilinguismo na demência?
Em 2004, publicamos nosso primeiro estudo com adultos mostrando os efeitos do bilinguismo. Até então, esses resultados eram relatados em crianças. Chamou muito a atenção da mídia e acho que falei com cerca de 300 jornalistas. Cada um deles, sem exceção, perguntou: “O que isso significaria para demência?”. Eu dizia: “Não sei, não estudamos a demência”. Expliquei que só selecionamos adultos saudáveis.

Mas eu pensei: se 300 jornalistas pensam que essa é uma pergunta interessante, deve ser uma pergunta interessante. Não tínhamos nenhuma evidência de que o bilinguismo teria algum efeito na memória ou na função do lobo temporal médio, afetado pela demência. Mas fizemos o estudo de qualquer maneira.

Para nosso ligeiro espanto, descobrimos que, entre os bilíngues, a demência era diagnosticada em média 4,5 anos depois do que nos monolíngues. A razão não é clara, mas a resposta deve ter algo a ver com o fato de os bilíngues usarem a função frontal aprimorada do cérebro como compensação, quando declina a função medial.Há desvantagens em ser bilíngue?

Há várias coisas que os bilíngues fazem pior do que os monolíngues. Ironicamente, todas são coisas de linguagem. Bilíngues têm um vocabulário menor em cada língua, têm um processo de recuperação de palavras mais lento e que envolve mais esforço. É mais difícil lembrar das palavras para eles. O processamento da língua parece envolver mais esforço.

Essas vantagens cognitivas dos bilíngues seriam suficientes para justificar matricular uma criança em uma escola bilíngue?

Há muitas razões para promover o bilinguismo em crianças. Uma delas é porque nossa pesquisa mostra que é muito bom para a cognição e o desenvolvimento. Essa é uma razão, mas há ainda mais razões para criar crianças com oportunidades bilíngues que são baseadas em resultados sociais, educacionais e ocupacionais.

Aprender outras línguas, além do que faz com o céu cérebro e com a função executiva, é bom porque alarga o horizonte das crianças. No caso de famílias que tem história de imigrantes, conecta as crianças com seu passado, permite que eles conversem com os avós. É bom para as crianças de muitas formas, e eu diria que, de todas as razões para apresentar as crianças oportunidades bilíngues em educação, os argumentos de cognição que estou dando são os menos importantes.

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