Embora muitas modalidades de tratamento fisioterapêutico ainda não
tenham a devida comprovação, devemos sempre que possível buscar práticas
que sejam baseadas em evidências. A postagem de hoje apresenta uma
discussão sobre a aplicação do ultrasom imediatamente após a
Crioterapia.
Inicialmente pensei em classificar esta postagem na seção de “Mitos
e Lendas da Fisioterapia”, mas julguei que seria mais interessante
abrir um espaço para o debate, afinal de contas “a falta de evidência
não é uma evidência”. Gostaria muito que as pessoas contribuíssem com
informações sobre o assunto.
Pois bem, vamos lá;
GELO E ULTRA-SOM
Eu aprendi na Faculdade que quando aplicado antes do ultra-som, a
crioterapia é capaz de potencializar os efeitos mecânicos do US. Esta
idéia se baseia no fato de que se você reduz a temperatura tecidual você
aumenta a densidade e assim potencializa os efeitos da micromassagem do
ultrasom pulsátil. Como de praxe fiz uma busca no Google e em algumas
bases de dados, e fiquei surpreso por não encontrar absolutamente nada
sobre ultrasom pulsátil associado ao Gelo.
Pra não dizer que
foi uma busca inútil, encontrei dois artigos que investigaram o uso do
Gelo antes do Ultrasom, porém estes artigos investigaram a premissa de
que a crioterapia antes do US aumentaria o pico de temperatura alcançado
nos tecidos.
As informações desta postagem são baseadas nos
artigos - Temperature Changes in Deep Muscles of Humans During Ice
andUltrasound Therapies: An In Vivo Study, publicado em 1995 no JOSPT, e
no artigo Temperature Changes During TherapeuticUltrasound in the
Precooled Human Gastrocnemius Muscle, publicado no Periódico Journal os
Atthletic Training, em 1994.
Em ambos os artigos os autores se
questionam se a premissa de que os efeitos atribuídos ao gelo associado
ao US são baseados em princípios científicos ou simples especulações, e
discutem os fundamentos teóricos que justificariam o uso de gelo antes
do US.
Uma explicação para a popularidade do uso do gelo antes do US
pode ter haver com achados relativos a qual meio oferece a melhor
transmissão de US, e a possibilidade de que a temperatura do meio
influencie o desfecho térmico do tratamento.
Lehman et al
(Lehmann JF, DeLateur BJ, Silverman DR: Selective heating effects
of ultra-sound in human beings. Arch Phys Med Rehabil 47:33 1-339, 1966)
relataram que um meio de condução frio (gel de acoplamento resfriado)
foi capaz de causar um aumento mais significativo na temperatura
tecidual do que um gel aquecido ou de um gel em temperatura ambiente.
Estes autores concluíram que a temperatura ideal para o gel de US
deveria ser inferior a 21°C. A idéia de que a crioterapia prévia ao US
seja similar ao uso de gel de acoplamento resfriado pode ter sido a
razão pela qual os fisioterapeutas começaram a usar crioterapia antes do
US. Entretanto existe uma enorme diferença entre o gelo antes do US e a
aplicação de um meio de acoplamento gelado, pois quando o meio de
contato gelado é aplicado sobre a pele, seguida imediatamente da
aplicação do US, existe um tempo muito curto para causar vasoconstrição e
resfriamento significativo.
É interessante notar que esta é
uma referência de 1966, ou seja: Um hipótese equivocada pode ter
passando por várias gerações de fisioterapeutas, e que somente 30 anos
depois, em 1994 foi conduzido o primeiro experimento (pelo menos os que
eu encontrei) que investigou a efetividade do tratamento ! ! ! !
ÊÊÊÊITA placebo véio sô !!!
Algumas passagens merecem ser destacadas. Com relação aos fundamentos teóricos da prática :
“... o US precisa de um meio denso para obter seu efeito máximo. De
acordo com várias pesquisas,(...) o US é melhor absorvido em tecidos
densos que tenham bastante proteínas. Quanto mais denso o meio, melhor a
onda de US será absorvida pelos tecidos, possivelmente resultando em
maiores efeitos terapêuticos. Esta é basicamente a justificativa para o
uso do Gelo antes do US.” (...)“Em geral, a crioterapia estimula
respostas fisiológicas como a vasoconstricção e redução do fluxo
sanguíneo. Isso não apenas resulta em redução da temperatura local mas,
pelo menos em teoria, pode ajudar a aumentar temporariamente a densidade
dos tecidos que estão sendo tratados, consequentemente aumentando os
efeitos mecânicos dos US.”
Temperature Changes in Deep Muscles of Humans During Ice and Ultrasound Therapies: An In Vivo Study
Estes autores concluíram que o gelo antes do US não oferece nenhuma
vantagem adicional ao tratamento, conforme a passagem abaixo da
discussão:
“O protocolo do estudo envolveu 5 minutos de aplicação de
gelo antes do US. O gelo causou vasoconstricção e consequentemente
exigiu mais calor do US para aquecer os tecidos, dilatar os vasos e
distribuir o calor. Desta forma, o uso do gelo antes do US pode ter
permitido uma queda excessiva da temperatura, impedindo ao invés de
potencializar a efetividade termal do US. Um conclusão que pode ser
traçada a partir dos resultados é a de que a uma profundidade de 5cm , o
pré-resfriamento de tecidos por 5 minutos antes do US não gera
benefícios se o propósito do US é o de criar um aumento significativo na
temperatura tecidual. “
Temperature Changes in Deep Muscles of Humans During Ice and Ultrasound Therapies: An In Vivo Study
Os autores Rimington et al. Obtiveram os mesmos resultados, porém são mais agressivos em seus comentários:
“Se o propósito do tratamento com US é o de aumentar a temperatura do
tecido a uma profundidade de 3 cm, o pré-resfriamento (crioterapia) do
tecido durante 15 minutos antes de US é um exercício de futilidade.
(...) A suposição clínica de que o resfriamento dos tecidos antes de um
tratamento com US aumenta a temperatura de pico de tais tecidos não é
verdade. A incapacidade do US elevar a temperatura da área até mesmo de
volta para a linha de base pré-tratamento, demonstra os efeitos
dominantes do gelo.”
Temperature Changes During Therapeutic Ultrasound in the Precooled Human Gastrocnemius Muscle.
Muito bem, estes artigos não respondem a minha dúvida inicial que é a
influência do Gelo para os efeitos não térmicos do US, mas creio que
esta postagem deixa claro duas coisas: #1- Os gringos também usam
tratamentos empíricos sem fundamento científico, e
#2- Até podemos
aceitar usar um tratamento sem comprovação formal, mas não devemos
aceitar tudo o que aprendemos na faculdade simplesmente porque alguém
diz : "tenho bons resultados usando este tratamento".
Como eu
disse anteriormente, não encontrei nenhum artigo que fale sobre US
pulsado e crioterapia. A hipótese, neste caso seria de que o
resfriamento de uma determinada área iria potencializar os efeitos não
térmicos obtidos com o US. Pulsado. Creio que esta pergunta permanecerá
em aberto, mas espero que alguém se anime com esta pesquisa e, quem
sabe, em breve tenhamos a comprovação ou refutação deste tratamento.
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Gelo e Ultrasom, podemos combinar estas duas terapias?