Caso dos Fisiatras, Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais
Rp 1.056 DF – Pleno – 1983
Apesar de ser unânime, essa decisão se mostra bastante interessante. A começar pelos quatro pedidos de vista durante o julgamento.
Então, segue a análise do caso.
Trata-se de uma representação que visava à declaração de inconstitucionalidade dos arts. 3º e 4º do Decreto Lei nº 938/69 e do parágrafo único do art. 12 da Lei 6.316/ 75
O representante foi o Procurador-Geral da República, cujos assistentes foram a Sociedade Brasileira de Medicina Física e Reabilitação (SBMFR) e o Conselho Federal de Medicina. Os representados foram o Congresso Nacional e o Presidente da República, cujo assistente foi o Conselho Federal de Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais.
Antes de qualquer consideração, cabe colocar que o art. 12 da Lei 6.316 não será analisado neste trabalho, tendo em vista que exigia registro de empresas prestadoras de serviços, mas, como bem disse o Min. Moreira Alves em seu voto, não se relaciona a direitos e garantias individuais, mas de
fiscalização de registros empresariais7. Disso se conclui que tampouco se refere à liberdade profissional.
Pois bem. Os arts. 3º e 4º do decreto-lei citado estabeleciam, como atividades privativas dos fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, a execução privativa de tratamentos fisioterápicos e terapêuticos por esses profissionais. Entretanto, o mesmo decreto estabelecia que quem poderia
prescrever o tratamento, supervisioná-lo e dar alta a um paciente seria, exclusivamente, o médico. Em outras palavras, a lei se contradizia ao dizer que um médico também tinha capacidade profissional para a execução desses tratamentos, mas não o podia fazer. Com essa incoerência exposta, a decisão
final foi a de que a representação era improcedente, isto é, os artigos eram constitucionais, desde que estivessem excluídos os médicos especialistas nessa área. Assim sendo, pela abrangência da interpretação daquele texto normativo, a contradição era desfeita.
O debate que foi travado tem relação com a possibilidade ou não desse tipo de interpretação. Com isso, polarizou-se a discussão entre o ministro relator Décio Miranda e Moreira Alves.
Ambos os ministros realizaram os três passos-chave na solução de conflito entre liberdade profissional e interesse público, na questão da necessidade de capacitação profissional dos terapeutas e fisioterapeutas:
1) sim, existe liberdade de profissão desde outros textos constitucionais;
2) somente as condições de capacidade que a lei estabelecer podem restringir a liberdade profissional; e
3) as restrições devem ser motivadas pelo interesse público. Essa estrutura foi aferida durante o voto, que passou necessariamente pelas três etapas. Isso implicou a decisão idêntica de ambos, segundo a qual
era uma profissão que requeresse restrições. Cabe colocar que a posição do ministro Moreira Alves foi a mesma que teve no caso da quarentena8.
Inclusive, no que se refere a discorrer pouco sobre interesse público. Todavia, esse caso também não necessitava de maiores considerações sobre esse instituto, pelo fato de já ser pacífico que atividades médicas devem ser afastadas de leigos.
Isso posto, enfatiza-se que a discordância entre ambos os ministros ocorreu num ponto bem específico. Enquanto o Min. Décio Miranda defendia que os médicos deveriam ser proibidos de executar os tratamentos terapêuticos e fisioterápicos, o Min. Moreira Alves defende a idéia de que não
há interesse público em se retirar dos médicos a possibilidade de realização desse tipo de tratamento.
O Min. Décio Miranda, com auxílio do Min. Néri da Silveira, tentou a todo custo demonstrar que as grades curriculares das faculdades de medicina e de fisioterapia e terapia eram diferentes. Contudo, não conseguiu desmontar o argumento do Min. Moreira Alves de que não havia incapacidade
técnica de um médico realizar tratamentos fisioterápicos, nem terapêuticos.
Nesse caso, por se tratar de uma situação mais homogênea, verifica-se que os ministros do Supremo Tribunal Federal se enquadravam na posição daqueles que defendiam que havia liberdade profissional, salvo em real necessidade de proteção à sociedade. Quanto à expressão de interesse
público, pode-se notar que o conceito não encontrava consenso entre os ministros. Com efeito, tanto o ministro Néri da Silveira, como o Min. Décio Miranda, enxergavam “interesse público” não tão consistente, visto que, embora tenham delimitado um conceito quando analisaram a regulamentação
dos fisioterapeutas e dos terapeutas, quando verificaram a regulamentação médica tentaram expandir a noção desse instituto a ponto de cogitarem de “interesse público em não se desestimular faculdades de fisioterapia e terapia ocupacional”. Devido a sua vagueza, essa afirmação foi desmontada facilmente
pela posição vencedora. Cumpre colocar que o restante dos ministros acompanhou o voto de Moreira Alves.
Assim sendo, tendo a posição prevalecente agido de forma coerente, enfatiza-se que, nesse caso, o STF continuou enquadrado na posição dos que defendem a liberdade profissional eventualmente contida e de “interesse público” carregada de significado, já que suas premissas, de fato, levaram os ministros a suas conclusões.
5 É importante observar, já neste momento, que o fato de os ministros utilizarem a mesma estrutura de raciocínio não resulta necessariamente na mesma conclusão. Com efeito, após as respostas às três perguntas-chave na solução desse tipo de conflito, o fator que influencia o desfecho é a maneira da qual enxergam o conceito de interesse público. Assim, se um ministro entende, em um caso específico, o interesse público de forma vaga, ele pode incorrer no risco de anular o raciocínio que acabara de explicitar.
6 O simples fato de o Min. Moreira Alves não ter precisado fundamentar consistentemente o que seria interesse público não implica a idéia de que o utilizou de forma incoerente. Ao contrário disso, a breve citação desse conceito serviu para completar a qualidade do seu voto, que dispensava maiores considerações.
7 A análise desse tipo de registro caberia a um Tribunal que verificasse a legalidade dessa espécie de inscrição, mas não, nesse caso, a sua constitucionalidade.
8 Aqui cabe uma referência ao ministro Moreira Alves, de um tribunal correntemente criticado por sua incoerência, que decidiu com o raciocínio válido sem contradições – isso inclui a coerência interna, dentro da lógica de seu próprio voto, e a coerência externa, de seu voto com votos anteriormente proferidos.
Fonte: SBDP - 2005
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